Caros Leitores,
Hoje venho em desabafo. Estou muito triste.
Ontem iniciamos a aplicação do Projeto Fazer Direito na CPPL II. Sinceramente, a turma me surpreendeu. Participaram de forma positiva, deram suas opiniões; enfim, um sucesso para qualquer um que está propondo lecionar uma aula.
Como combinado com os voluntários do projeto, todas as terças-feiras, naquele estabelecimento prisional, iria ficar responsável pelas aulas uma determinada voluntária, a qual prefiro não citar o nome. Fomos juntas hoje, - já que era o seu primeiro dia - e a turma agira como aula passada: exemplar. E por isso, na saída, vinhamos conversando no caminho de volta sobre o tal rendimento da aula. Conversávamos animadas no carro. Eu dirigia, minha mãe estava no banco ao lado, e ela, atrás. Ela comentava o quanto tinha sido uma excelente experiência, que tinha sido incrível e etc.
O celular dela toca. Ela fala algo que não consigo escutar. Ela desliga e começa a chorar. Naturalmente, fiquei preocupada e perguntei o que acontecera. Ela disse chorando: "Rosa, assaltaram o comércio dos meus pais. Eles estavam lá. Não querem me contar o que está acontecendo, não dizem nada."
Sem saber o que dizer, pedi para ela ter calma e mudamos a rota até a casa dela. Os pais dela moram em um interior que fica a 300 km daqui de Fortaleza, mais ou menos, e possuem um comércio no local. Ela mora aqui com a irmã.
Chegando lá, estava aquele clima pesado, ela chorando, contudo ninguém sabia o que tinha acontecido de fato. Ela foi logo arrumando as coisas para ir para o interior. Perguntamos se ela precisava de alguém para dirigir até lá porque nem ela nem a irmã estavam em condições. Conseguiram que um amigo fosse. Fomos embora e pedi que quando ela tivesse notícias e se estivesse em condições, me avisasse.
Isso era por volta das 15:30, exatamente o horário que terminam nossas aulas na CPPL II. Quando foi a noite, vejo no meu celular uma chamada não atendida do número dela. Em um instante, fiquei tranquila. Afinal, pensei que por ela ter lembrado de me ligar logo, não teria acontecido o pior. Mas aconteceu. Eu retornei a chamada e ela atende. Perguntei como ela estava e ela responde: "Rosa, mataram meu pai". Fiquei sem palavras. Como estou agora, escrevendo nesse blog. E perguntei como tinha sido. Ela disse: "Ele se abaixou para pegar algo, o ladrão achou que ele ia reagir e o mataram. Minha mãe estava lá, viu tudo. Ela passou mal, está internada agora." Falei o que consegui e desliguei.
E eu ainda não disse o mais chocante: o pai dela, semanalmente, fazia visitas aos presos da Cadeia Pública da região. Ia para "dar uma palavra amiga", como eu soube que ele dizia. Ele a apoiou quando soube do projeto, disse que era lindo o trabalho. E sempre que nos encontrávamos nesses últimos dias, ela me contava com orgulho das visitas do pai.
Que vida. Mas, o que dizer? O que dizer para ela que perdeu um pai? O que dizer para a mãe dela que perdeu o marido? O que dizer para as milhões de vítimas em nosso país?
E depois que soube disso tudo, eu sentei em um banco da universidade onde estudo e lembrei do que me perguntaram uma vez. Na CONESP I, um palestrante me fez a seguinte pergunta: "Se matarem o seu pai, você continuaria com esse projeto?"
Eu me questionei sobre como é a atuação desse projeto e como tem crescido. Hoje, depois de tudo, eu tenho a minha resposta. A dor seria insuportável. Quando eu recebesse da notícia, eu ficaria com raiva de mim mesma. Mas depois, com a razão, e sabendo que o cárcere no Brasil é uma faculdade de crimes, pensaria nas próximas vítimas que são frutos dessa mesma faculdade. O Estado tem por Lei o dever de proteger o cidadão. A prisão deveria servir pra isso, a fim de que quem praticasse um delito pague, mas que não volte a delinquir. E o que acontece?
Nós, como sociedade, também temos o nosso papel com toda essa história. Não queremos de volta em nosso seio, marginais. Queremos homens e mulheres que possam conviver de forma harmônica. Para que não apenas eles desfrutem da sonhada liberdade. Que nós também possamos tê-la, sem nos aprisionarmos em nossas próprias casas com medo de sermos as próximas vítimas.
Não estou sendo romântica ao dizer isso, pelo contrário, estou sendo cruelmente realista. Não devemos nos vendar para tal realidade. Porque quem paga o preço somos nós. E você, que preço está disposto a pagar?