segunda-feira, 20 de junho de 2011

Qual Falência?

           Muito se escuta sobre a Falência do Sistema Penitenciário Brasileiro. Ao abrirmos o jornal matinal, encontramos, normalmente, notícias de fugas, rebeliões e apreensão de objetos ilícitos (drogas, celulares, armas artesanais) em estabelecimentos prisionais.
A violência urbana, enfatizando a cidade onde resido, Fortaleza, CE, mantém a população amedrontada. Ao sair de casa, caso faça algum percurso a pé, o cidadão se protege. Põe o celular mais escondido, junto ao dinheiro, e anda apressado olhando para os lados.
Quem nunca perdeu um pertence para um “marginal” é exceção na regra da ingrata criminalidade. A sensação para muitos é que há, na maioria dos casos, impunidade para os sujeitos responsáveis pelos crimes, ou seja, que não são punidos de acordo com o que determina a lei.
No Estado do Ceará, há 16.022 presos nos estabelecimentos penais. Que totalizam 4 penitenciárias, 2 presídios, 2 colônias agrícolas, 1 casa de albergado, 4 casas de custódia, 2 hospitais e 131 cadeias públicas. Será que ainda assim, não se prende o suficiente?
Então, o que de fato acontece?
Primeiramente, deve-se entender o fator criminalidade. Assim, exclui-se imediatamente a ideia de que o policiamento na rua e a prisão são a solução do problema. São medidas necessárias, de importância para a proteção da sociedade e repressão do ilícito, contudo, não previnem a prática de crimes quando agem de maneira isolada.
A prevenção eficiente é o investimento em Políticas Públicas. Educação, Saúde, Lazer, Saneamento Básico, Segurança, Moradia...ou seja, tudo o que nós, brasileiros, tanto ansiamos. Para exemplificar, tem-se os países desenvolvidos. O índice de criminalidade, na maioria desses países, é baixo, já que a população é amparada pelo Estado quando tem suas necessidades humanas básicas, ou ao menos a maioria delas, supridas.
Pensar que “prender e bater em bandido” resolverá a questão é pura ignorância (perdoe-me se tiver algum leitor que assim o considere), pois o crime é um fator social complexo. E ainda, há tamanha distinção entre os criminosos que deverá ser considerada.
Os agentes ativos (ladrão, homicida, estuprador, estelionatário,) possuem em comum a prática ilícita. Contudo, o delito, a história de vida, as motivações para o crime, o estado psicológico e até, o físico, devem ser levados em consideração para a análise do criminoso; e apenas assim, pode-se falar na possibilidade da “recuperação” desse.
Não me refiro a trata-los como coitados, “passar a mão na cabeça” ou, muito menos, não puni-los da maneira como descrevem as normas competentes. Pelo contrário, o respeito e cumprimento da Lei Penal, Processual Penal e a Lei de Execuções Penais é de suma relevância para a reintegração daquele que um dia fora condenado.
Falo um pouco mais e cito que há aqueles que cometem crimes por: dinheiro, raiva, vingança, impulso emocional, impulso sexual, poder, vícios em droga lícitas e ilícitas. Existe os reús primários e reincidentes de um, dois, três, quatro...ou dez, ou mais, processos. De 18 a 76 anos, dentre estudantes universitários, pedreiros, motoristas de caminhão, cabelereiros, serventes, empresários, representantes comerciais, garçons, auxiliares de técnicos de instalação, agricultores, montadores de vaquejada, eletricistas, dentre inúmeras profissões honráveis, até aquele que nunca trabalhara, já conheci dentre as grades de uma prisão.    
Acima são poucos exemplos de todo o histórico que deve ser considerado e levado à análise do indivíduo.
A tal Falência do Sistema Penitenciário tão pronunciada, tão afirmada e repedida por muitos profissionais do Direito, não me parece o pior dos mártires.
A Falência que me grita é àquela relacionada ao ser humano. Da descrença, do ceticismo, do descompromisso com um todo, com um semelhante. Nós, em lágrimas mais salgadas, falimos antes do sistema. Porque eu e você somos parte dele (assim como previsto em Lei - art. 4º Lei de Execuções Penais).
O ciclo que inicia na motivação do crime até o retorno do condenado, começa na sociedade e termina nela mesma. E ainda assim, dizemos que o Sistema é que está falido.
Nosso país, de lindas praias, grandes riquezas naturais e diversidade cultural, não possui a culpa pelos erros que encontramos no Sistema e muito além dele. A culpa maior é nossa. Porque fingimos não ver, disfarçamos a insegurança e o desamparo social e olhamos para o outro sem notar que se olha para o próprio espelho.
A partir do instante em que reconhecermos a responsabilidade social e cidadã no preso, na criança que pede esmola na rua e no político em quem votamos, a mudança estará em nossas mãos.
E quando estiver em nossas mãos. De que adiantará, se nada fizermos?      


Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Queridos leitores,

Devo confessar que muito me estimula aplicar atividades em sala com o intuito de conhecer mais de perto os alunos do nosso curso. Na minha fala, sempre deixo claro que os considero diferentes entre si, que não são, nem nunca serão, uma simples massa homogênea humana que delinquiu. Creio que seja esse um dos problemas encontrados no Sistema Penitenciário Brasileiro em recuperar àquele indivíduo que praticara algum ilícito penal e se encontra em estabelecimentos prisionais no País. Contudo, segurarei esse desabafo para outro post.

A atividade da vez consistia em responder 3 perguntas: "Quanto tempo está preso?"; "O que você faria se não estivesse preso?"; " O que você teria feito se não tivesse entrado no crime? "

Depois de um tempo de convivência, os alunos passaram a confiar em mim. Sem isso, não haveria efeito algum nas palavras ditas ou nos trabalhos feitos. É preciso que saibam que se quer o bem deles, que se quer ajudar. Quando isso é percebido, escutam o que é dito, inclusive bronca. E, principalmente, respeitam. Por isso, quando me perguntam se tenho medo de entrar em uma sala com 40 a 50 homens que já cometeram crimes (aqueles selecionados pela Administração Penitenciária), lembro da relação de confiança e respeito contruída com esses.

Grande parte das pessoas na sociedade não entende o que faço. Outra parte, repuldia. Talvez, tenha várias razões, como: "não resolverá, esse tipo de gente não muda"; "é perigoso se expor assim"; "fazer isso tudo sabendo que praticaram coisas erradas, e se tiverem matado alguém?"; "eles são maus". Ou, talvez seja uma apenas: por não enxergar o valor que se deve reconhecer na natureza humana. Acho que acabei por desabafar novamente.

Vamos às respostas que me despertaram:

Quanto tempo está preso?
"388 dias, 16 horas e 30 minutos (são 2 horas). 06/06/2011" (D.V.)
"Dessa vez, estou com 4 meses preso, mas somando o que já passei, dá 2 anos e 9 meses, congelado no tempo." (J.F.B.)
"1 mês e 7 dias. Para alguns parece pouco, mas pra mim parece uma eternidade junto com o tormento, a solidão e as saudades." (T.S.S.)

O que você faria se não estivesse preso?
"Estaria cuidando da minha família e evitaria a morte do meu pai." (E.S.B.)
"Exatamente o oposto do que fiz antes." (J.F.B.)
"Com certeza eu ainda estaria traficando pelo motivo das coisas serem muito fáceis como: dinheiro, mulheres, etc.Sem falar do 'respeito' que as pessoas tem com o cara que estar no crime." (J.P.) 
"Com a mente que tenho agora, eu tentaria recomeçar tudo de novo. Terminaria meus estudos, e formaria uma nova família, e concerteza mostraria pra muita gente que todo homem vale muito mais do que seus erros. O passado é uma lição pra se meditar e não para se reproduzir." (L.C.R.F.)
"Neste momento estaria na minha casa com minha filha e minha mulher, eu dando muitos beijos na minha filhinha que eu amo." (R.W.G.V.F.)

O que você teria feito se não tivesse entrado no crime?
"Teria participado da criação e crescimento das minhas duas filhas." (E.S.B.)
"Eu seria um jogador de futebol. É meu sonho e jogo bem." (F.D.T.S)
"Meu sonho era ser jogador de futebol mais quando eu tinha 15 anos de idade conheci a cocaína aí acabei com os meus sonhos. Larguei o futebol que praticava. Mas hoje não sinto mais nem vontade de nada. Só de ir pra casa." (R.W.G.V.F.)
"Teria sido um trabalhador. Quando criança não fui instruído a ter sonhos eu simplesmente queria o que poderia conseguir, portanto um excelente trabalhador, o que consegui ser, porém não com o emprego e salário desejado, por isso fui ao crime, para conseguir o dinheiro para poder estudar o que gosto, computação, mais expecificamente, desenvolvimento de software." (D.V.)
"Eu não teria feito; eu vou fazer - me formar em Direito." (J.F.B.)
"Hoje em dia com certeza eu já teria terminado meus estudos, pois parei no 2º ano do 2º grau, falta apenas o 3º ano para que eu possa terminar os estudos. E hoje eu estaria numa faculdade onde eu pensava em ser um grande médico, bastante conhecido, e também eu estaria numa boa com a minha mulher. Mas nunca é tarde para recomeçar, pois agora eu penso num futuro melhor pra mim e para minha companheira que também se encontra recolhida no Auri Moura Costa, pois fomos presos juntos. Penso em viver uma vida digna com ela e com meu filho, pois eu fiquei sabendo aqui dentro da CPPL 2 que ela estar grávida, então agora devo ter mais responsabilidade e ser um exemplo para meu filhão que estar vindo em breve, e também ajudar minha companheira e fazendo ela a mulher mais feliz desse mundo para que ela tenha orgulho do marido que ela tem. É isso aí, bola pra frente e esquecer os erros do passado. Valeu!" (J.P.)
"(...) Às vezes o crime não é apenas uma opção mas sim a escolha de quem não ver e nem sabe criar as oportunidades desta vida cheia de desigualdades." (L.C.R.F.)

A finalidade do exposto fora a reflexão do que se perde quando se opta pela prática de um crime. E mando uma, aos que leram: Se eles saíssem hoje da prisão, o que faríamos? 
E é válido pensar, porque dessa não temos como fugir. 


Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)