segunda-feira, 4 de julho de 2011

O que se aprende na vida, no crime e na prisão


No mês de julho de 2011, o Projeto Fazer Direito terá um intervalo em suas atividades na CPPL II -decorrente do replanejamento para o início do próximo semestre; e realizará, enquanto isso, 2  (dois) dias de "atividades físicas", acompanhadas por educadores físicos na respectiva unidade, voltadas aos alunos do curso.
Decidi utilizar a última semana do mês de junho para atividades em sala e filmes. Assim, seria possível uma análise de como estava o aprendizado e a absorção das lições dadas.
Naquele dia 24 de junho, introduzi a aula com uma fala sobre os aprendizados que levamos da vida. Tentei fazer uma breve reflexão.
Bem, aprendemos a andar, falar, comer sozinho e dizer obrigado. Aprendemos a escrever, a andar de bicicleta e a mentir. Aprendemos a sentir amor, ódio e desejo. Desde sempre, aprendemos, desaprendemos e reaprendemos. Porque aprender é viver, e deixar de aprender, naturalmente, é não estar mais vivo...
E falo por mim; porque muito tenho aprendido com essa experiência; convivendo com os homens que moram atrás das grades. E não caberá tudo aqui; mas digo, sem medo, que aprendi que o ser humano é sempre carente de afeto e atenção; seja ele considerado "mau" ou "bom". Aprendi que a saudade nos mata por dentro; e que quando isso acontece, um abraço de quem quer que seja faz toda a diferença. Aprendi a identificar um sorriso verdadeiro quando solto; e que isso me faz sorrir assim também. Consegui aprender a respeitar as diferenças, ainda mais. De classe social, idade, escolaridade, sonhos e existência. Confirmei que o sofrimento ensina, e que pode tornar alguém melhor; mas pode o contrário também: pode amargar a alma, sem volta. Eu consegui enxergar a natureza humana. E consegui, também, perceber que o mundo ainda tem muito a aprender; principalmente quando se trata de amor, fraternidade e respeito ao próximo.
Como fiz em outros, colocarei algumas respostas do recente questionário que meus "alunos-presos" responderam. Lá vai. Preparados?
"O que você aprendeu de mais importante: "
"Com a sua família?"
"Aprendi a ter um sentimento saudade. Antes de vim parar na cadeia eu vivia mais tempo longe da minha família. Hoje que eu me encontro verdadeiramente longe da minha família aprendi a ter saudades coisa que eu não tinha. E quando sair vou dar mais valor, respeito, amor, carinho que minha familia merece." (E.S.B.)
"Na realidade se eu tivesse aprendido com a minha família consertesa teria sido uma pessoa onesta e trabalhador, mas pelo ao contrário eu nunca escutei minha família." (P.A.B.L.)
"Aprendi que tenho valor, e eu mesmo sou responsável por tudo que ocorre em minha vida. Seja uma vitória ou uma derrota." ( L.C.R.F.)
"Mais importante...com a família é difícil, é muita coisa. Acho que o mais importante é a integridade e honestidade. Obs: eu tive que negligenciar isso para poder estar no crime. Não foi fácil!" (D.V.)
"Aprendi que minha família mim ama por não ter mim abandonado." (F.A.B.V.)

"Com o crime?"
"Aprendi um monte de coisas, mas o mais importante é que dá dinheiro e dá cadeia, dá uma falsa alegria e uma imensa dor, ou seja, não compensa." (D.V.)
"...que o fim é a cadeia, morte, alejado ou incoma." (J.A.B.P.)
"Bem tudo que eu aprendi com o crime é que é bom mas tem um gosto muito amargo. A pessoa fica muito ambiciosa e esqueçe das verdadeiras pessoas que nós amamos." ( T.S.S)
"Aprendi que enquanto estamos no crime tudo é ótimo mais quando paramos para pensar, enxergamos que é uma perda de tempo." ( C.S.V.)
"Tem gente que diz que não dá para aprender nada com o crime mais não é verdade no crime você sabe diferenciar as palavras ( parceiros e camaradas) de (amigos)!" ( M.S.O.)
"Só que faz você se afastar da sociedade. Pedir seu direito como cidadão. Pedi seu direito nas ruas como cidadão." (L.N.L)
"Que é apenas uma ilusão que nos tira a vida da verdadeira felicidade e paz da vida." (L.C.R.F.)

"Com a prisão?"
"Aprendi que a prisão não é somente uma prisão, mais sim um lugar que muda muito a vida de muitas pessoas. Tanto que eu peso a Deus não é minha liberdade mais sim que mude meus pensamentos. Para quando eu sair não vim cometer o mesmo erro." (E.S.B.)
"Com a prisão só aprendi a sofre e a passar por muitas situações constrangedoras. Não gosto de mim lembrar." (Não colocou o nome)
"Com esta prisão eu aprendi a ter controle, e com certeza vou sair outra pessoa." ( M.F.A.)
"Aprendi que nós só somos lembrados e respeitados quando estamos lá fora e é só nessas horas que nos damos o verdadeiro valor a família! Isso é certeza." (M.S.O.)
"Aprendi que a liberdade é algo que temos que valorizar e que a maldade visita nossa mente várias vezes e não é fácil driblar ela." (C.S.V.)
"Após dois anos de muito sofrimento eu aprendi a ser um ser humano e vi que tudo que eu tinha vivido não passou de uma gigantesca mentira." (J.P.S.)
"Aprendi que é o fim, e o recomeço para quem gostaria de uma nova oportunidade." (T.S.S.)
"Aprendi que não devemos ficar preso no nosso passado, pois ele é apenas uma lição para se meditar e não para se reproduzir. Somente as tentativas é que nos possibilita as grandes conquistas." (L.C.R.F.)
"Aqui eu aprendi tanta coisa inútil, eu sei todos os artigos do CP, com excelência, mas o mais importante foi dar valor as coisas mínimas, uma boa comida, uma volta na praça com uma pessoa ( de preferencia uma garota) que eu goste, ver televisão, dizer bom dia pai, bom dia avó, dar um beijo e um abraço em meus irmão, e também a ver que 'bandido' também tem sentimentos." (D.V.)

"Com os momentos de felicidade?"
"Os momento felizes na cadeia são pouco. O momento felizes quando a família vem lhi vizitar e trás boa notícia." (F.A.B.V.)
"Quando a quentinha chega, quando eu estou falando a palavra de Deus, quando a visita chega, quando você Rosinha vem ensina nós, quando vou para o banho de sol, quando sai para fora da cela." (J.A.B.P.)
"Acredito eu, que o meu momento de felicidade ainda estar por vir, que seria ver a minha família e sentir orgulho de minha pessoa!" (T.S.S.)
"Aprendi que não sei ser feliz sozinho..." (C.S.V.)
"Aprendi que eles não são eternos e que nós temos que aproveitá-los enquanto eles estão acontecendo, pois é que nem diz o ditado: alegria de pobre dura muito pouco." (M.S.O.)
"Aprendi que a vida é boa de mais quando se quer viver ela, só que a gente é que procura meios mais difíceis para se viver." (P.A.B.L.)

"Sobre você mesmo?"
"Apesar de todas as dificuldades que eu venho passando eu descobri que sou um vencedor e um guerreiro na guerra pronta para ser vencida." (P.A.B.L.)
" Primeiro que eu tenho que crescer a cada dia e procurar me conhecer e que eu não vivo somente pra ser feliz, mas sim para fazer o próximo também." (L.C.R.F.)
"Hoje sou outra pessoa. Não penso mais em seguir no mundo do crime. Já me toquei que a vida não é o crime. Mais sim a minha felicidade." ( M.F.A.)

"Com o Projeto Fazer Direito?"
"...que o objetivo é fazer com que a gente pense de um modo diferente 'do que nóis vivemos'." (C.S.V.)
"Se afastar das drogas..." (L.)
"Aprendi a ler mais upoco escrever." (P.V.F.)
"Aprendi o verdadeiro sentido da vida. Aprendi os direitos que todo ser humano tem. Obs: aprendi a ter carinho pelo procimo como por exemplo a Rosa tem por todos nós." (E.S.B.)
"O projeto me estimula muito a erguer minha cabeça dizer que sou capaz e que tenho potencial para qualquer coisa. 
Aprendizagem é uma arte,
e nela tem que saber viver,
a minha vida é obra principal
que acabei de escrever" (L.C.R.F.)
"A respeita os colegas e conheçe sobre os nossos deveres que são de respeita o proximo e sabem um pouco da lei." ( A.R.L.C.)
"Aprendi a me tornar mais humano." (D.V.)
"Aprendi com o projeto que ajuda a pessoa a mentalizar e refletir sobre o que fez, e com o que ainda vai fazer quando ganhar a liberdade e significa o primeiro passo para quem realmente quer mudar de vida." (T.S.S.)
"O projeto me ajudou muito, pois com o projeto fazer direito eu encherguei que tem muitas pessoas como a professora Rosinha que gostam de ajudar as pessoas, e que através disso eu e muitos outros podemos nos ressocializar com a sociedade mostrando que todo erro pode ser mudado basta que uma pessoa amiga nos dê uma chance e daí, então nós engressamos uma nova vida rumo a sociedade e ao reestabelecimento de um futuro melhor. Obrigado pela chance que estou tendo apesar de estar prezo aprendi que posso mudar e ser uma nova pessoa." (C.N.S.)
"...aprendi a ser um vencedor, Rosinha, por favor nunca sai desse curso continui sempre ajudando as pessoas tenha forças. Que Deus te abençoe." (J.A.B.P.)

Eu releio o que escreveram e penso sobre a humanidade. Que, ao menos, o ciclo da vida seja benevolente conosco; mas como, se nós não temos sido? Que o homem aprenda a ter esperança em si e no outro. Porque apenas assim aprenderemos o sentido do mundo, da nossa existência e de Deus.
Aproveito para agradecer as palavras carinhosas e as presenças significativas dos bons amigos e familiares nessa caminhada com o Projeto Fazer Direito. Tenham certeza que vocês tem me fortalecido.


  Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)

sábado, 2 de julho de 2011

Um amor entre grades; e grades entre um amor


Era mais uma sexta-feira, mais um término de aula do projeto. As portas se trancavam atrás de mim e eu caminhava pelo corredor que liga à saída do lugar. Penso, sempre que faço tal trajeto, como os que ficam trancados gostariam de fazê-lo. Porque preso só fala em liberdade. E nós, aqui fora, será que a sentimos?
Ao lado do posto dos Agentes Penitenciários, havia um detento, que me era conhecido, e sua visita. Era uma mulher alta, de cabelos castanhos e de olhar firme. Ele é baixo, careca e de cavanhaque; sempre simpático. Estavam sentados; ambos virados um para o outro, dividindo carícias. Em um banco de praça, romântico seria, mas as grades e as muitas algemas que estavam ao lado do casal me impediam qualquer devaneio sobre o amor.
Ele me chamou e me apresentou à mulher: sua esposa. Ele falou sobre a sua ânsia pela liberdade, do sofrimento de estar preso, da saudade da família e de suas 4 filhas. Falou que nunca soube o que era sentir o amor de uma família e que agora queria desfrutá-lo.
Eu e a sua esposa, falamos como o crime não compensa e sobre a paciência; porque há tempo para tudo. Até mesmo para quem está preso.
A conversa parecia rotineira. Porque muito já ouvi dos internos e seus familiares das dores, sofrimentos e angústias que uma prisão trás. A dor que o crime carrega consigo arrasta uma multidão de lamúrias e vítimas. O culpado, a família do dito, a vítima, a família da vítima e eu e você. É mole?
Até que eles me falaram como se conheceram. Não foi na balada, não eram primos, não foi por um amigo de um amigo, nem no trânsito. Não foi nada comum. Ele, agente ativo, fora aplicar um golpe nela, sujeito passivo. Depois, se apaixonaram e ela se mudou de Alagoas para Fortaleza para formarem uma família. Fim.
E agora, um trecho de uma música do Renato Russo me veio em encaixe: "E quem irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?"

Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)