quarta-feira, 19 de outubro de 2011

1 ano de vida e de cadeia.

No dia 14 de outubro de 2011, o Projeto Fazer Direito completou um ano de sua existência.

O projeto nasceu como uma ação amadora de 4 estudantes universitários do curso de Direito - Samuel, Géssyca, Pedro e eu, Rosa - na utopia de fazer a verdadeira diferença na realidade prisional.

E ninguém acreditava quando nasceu. Nós mesmos não sabíamos por onde começar ou como desenvolver um projeto de função social tão árdua e complexa. 

Eu não saberia explicar como chegamos aqui; mas sei que ouvi muitos profissionais, conversei com vários presos, errei, errei novamente, consertei tais erros e não deixei escapar nenhuma oportunidade.

Com direito à bolo e refrigerante, nos reunimos no aniversário do projeto e foi muito bonito ver uma mesa de 10 lugares totalmente preenchida, a contar que são apenas os voluntários que lecionam na CPPL II. No IPPOO II, após um convênio com a Estácio FIC, alunos da referida faculdade realizam as atividades programadas, somados, apenas na área de Direito, em 14 estudantes universitários. Professores e coordenadores da mesma faculdade estão nessa caminhada também, inclusive alunos e profissionais das áreas de Administração, Psicologia e Artes Cênicas.

Fora crescendo com a ajuda de profissionais e de pessoas da sociedade que acreditaram que o nosso trabalho poderia contribuir para um Sistema Penitenciário mais humano e ressocializador. A dedicação de cada estudante da Estácio FIC, da UNIFOR e da UFC, é o que mantém o crescimento do mesmo. 

Em continuidade, está se reproduzindo nas unidades prisionais e nas diversas instituições de ensino onde levo um pouco da minha experiência e do que vejo no mundo encarcerado. Está em reprodução, ainda, para a sociedade, a fim de esclarecer sobre a importância de ações positivas nesse espaço e da mudança de mentalidade necessária a respeito do homem preso e do egresso.

Estamos colhendo os frutos: quando percebemos uma visão de respeito ao próximo, de aprendizado jurídico e de sensibilidade dos internos que participam do Projeto; quando vemos, nos olhos marejados de lágrimas a humanidade que grita alto, que pede por uma chance de fazer o correto; quando o homem, que está sem sua liberdade, diz que só quer ver a família e ter uma vida digna para nunca mais viver naquele inferno; quando nos agradecem pelo trabalho e pela oportunidade de ser visto. Estamos colhendo os frutos...quando recebemos, como presente, um porta-retrato em formato de coração ou uma caxinha com laços que fizeram com as próprias mãos e com palitos de picolé entregues com uma carta de agradecimento. E, enfim, quando os ex-presidiários, se despedem de nós, do cárcere e, definitivamente, do crime. Salvando a nós todos do caos... 
E continuamos a colher: quando os estudantes universitários me dizem "que não era como parece ser, eles são receptivos e cheios de boas ideias" ou " eu entrei na sala para conversar com os presos e percebi que não estava mais com medo, porque eles me fizeram sentir assim". Quando trocam opiniões, experiências, sonhos e decepções, no meio da aula, em um diálogo de praça. Ou, quando, esses estudantes me agradecem pela oportunidade de finalmente conhecer aquilo que apenas ouviam falar.

E ainda há muitos frutos para colher...

Envelhecendo?! Ganhara experiência, moldou-se de acordo com as novas circunstâncias e ganhou  maturidade em seus objetivos, ideologia e foco nos resultados. Mas, permanece na intensa vontade de transformação! E com a audácia dos novos!

Morrer, morrer...Jamais!

Será um ciclo da vida diferente, onde o sonho não morre, onde sempre haverá juventude participando ativamente, onde a "vontade" e a "necessidade" estão aliadas ao "fazer" e ao "acontecer". Não há morte, porque levaremos o que vivemos em nós até...o infinito! 

P.S.: Matéria sobre o projeto: http://www.sejus.ce.gov.br/index.php/listanoticias/14-lista-de-noticias/843-programa-ensina-nocoes-de-direitos-aos-detentos?ref=nf


Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O que se aprende na vida, no crime e na prisão


No mês de julho de 2011, o Projeto Fazer Direito terá um intervalo em suas atividades na CPPL II -decorrente do replanejamento para o início do próximo semestre; e realizará, enquanto isso, 2  (dois) dias de "atividades físicas", acompanhadas por educadores físicos na respectiva unidade, voltadas aos alunos do curso.
Decidi utilizar a última semana do mês de junho para atividades em sala e filmes. Assim, seria possível uma análise de como estava o aprendizado e a absorção das lições dadas.
Naquele dia 24 de junho, introduzi a aula com uma fala sobre os aprendizados que levamos da vida. Tentei fazer uma breve reflexão.
Bem, aprendemos a andar, falar, comer sozinho e dizer obrigado. Aprendemos a escrever, a andar de bicicleta e a mentir. Aprendemos a sentir amor, ódio e desejo. Desde sempre, aprendemos, desaprendemos e reaprendemos. Porque aprender é viver, e deixar de aprender, naturalmente, é não estar mais vivo...
E falo por mim; porque muito tenho aprendido com essa experiência; convivendo com os homens que moram atrás das grades. E não caberá tudo aqui; mas digo, sem medo, que aprendi que o ser humano é sempre carente de afeto e atenção; seja ele considerado "mau" ou "bom". Aprendi que a saudade nos mata por dentro; e que quando isso acontece, um abraço de quem quer que seja faz toda a diferença. Aprendi a identificar um sorriso verdadeiro quando solto; e que isso me faz sorrir assim também. Consegui aprender a respeitar as diferenças, ainda mais. De classe social, idade, escolaridade, sonhos e existência. Confirmei que o sofrimento ensina, e que pode tornar alguém melhor; mas pode o contrário também: pode amargar a alma, sem volta. Eu consegui enxergar a natureza humana. E consegui, também, perceber que o mundo ainda tem muito a aprender; principalmente quando se trata de amor, fraternidade e respeito ao próximo.
Como fiz em outros, colocarei algumas respostas do recente questionário que meus "alunos-presos" responderam. Lá vai. Preparados?
"O que você aprendeu de mais importante: "
"Com a sua família?"
"Aprendi a ter um sentimento saudade. Antes de vim parar na cadeia eu vivia mais tempo longe da minha família. Hoje que eu me encontro verdadeiramente longe da minha família aprendi a ter saudades coisa que eu não tinha. E quando sair vou dar mais valor, respeito, amor, carinho que minha familia merece." (E.S.B.)
"Na realidade se eu tivesse aprendido com a minha família consertesa teria sido uma pessoa onesta e trabalhador, mas pelo ao contrário eu nunca escutei minha família." (P.A.B.L.)
"Aprendi que tenho valor, e eu mesmo sou responsável por tudo que ocorre em minha vida. Seja uma vitória ou uma derrota." ( L.C.R.F.)
"Mais importante...com a família é difícil, é muita coisa. Acho que o mais importante é a integridade e honestidade. Obs: eu tive que negligenciar isso para poder estar no crime. Não foi fácil!" (D.V.)
"Aprendi que minha família mim ama por não ter mim abandonado." (F.A.B.V.)

"Com o crime?"
"Aprendi um monte de coisas, mas o mais importante é que dá dinheiro e dá cadeia, dá uma falsa alegria e uma imensa dor, ou seja, não compensa." (D.V.)
"...que o fim é a cadeia, morte, alejado ou incoma." (J.A.B.P.)
"Bem tudo que eu aprendi com o crime é que é bom mas tem um gosto muito amargo. A pessoa fica muito ambiciosa e esqueçe das verdadeiras pessoas que nós amamos." ( T.S.S)
"Aprendi que enquanto estamos no crime tudo é ótimo mais quando paramos para pensar, enxergamos que é uma perda de tempo." ( C.S.V.)
"Tem gente que diz que não dá para aprender nada com o crime mais não é verdade no crime você sabe diferenciar as palavras ( parceiros e camaradas) de (amigos)!" ( M.S.O.)
"Só que faz você se afastar da sociedade. Pedir seu direito como cidadão. Pedi seu direito nas ruas como cidadão." (L.N.L)
"Que é apenas uma ilusão que nos tira a vida da verdadeira felicidade e paz da vida." (L.C.R.F.)

"Com a prisão?"
"Aprendi que a prisão não é somente uma prisão, mais sim um lugar que muda muito a vida de muitas pessoas. Tanto que eu peso a Deus não é minha liberdade mais sim que mude meus pensamentos. Para quando eu sair não vim cometer o mesmo erro." (E.S.B.)
"Com a prisão só aprendi a sofre e a passar por muitas situações constrangedoras. Não gosto de mim lembrar." (Não colocou o nome)
"Com esta prisão eu aprendi a ter controle, e com certeza vou sair outra pessoa." ( M.F.A.)
"Aprendi que nós só somos lembrados e respeitados quando estamos lá fora e é só nessas horas que nos damos o verdadeiro valor a família! Isso é certeza." (M.S.O.)
"Aprendi que a liberdade é algo que temos que valorizar e que a maldade visita nossa mente várias vezes e não é fácil driblar ela." (C.S.V.)
"Após dois anos de muito sofrimento eu aprendi a ser um ser humano e vi que tudo que eu tinha vivido não passou de uma gigantesca mentira." (J.P.S.)
"Aprendi que é o fim, e o recomeço para quem gostaria de uma nova oportunidade." (T.S.S.)
"Aprendi que não devemos ficar preso no nosso passado, pois ele é apenas uma lição para se meditar e não para se reproduzir. Somente as tentativas é que nos possibilita as grandes conquistas." (L.C.R.F.)
"Aqui eu aprendi tanta coisa inútil, eu sei todos os artigos do CP, com excelência, mas o mais importante foi dar valor as coisas mínimas, uma boa comida, uma volta na praça com uma pessoa ( de preferencia uma garota) que eu goste, ver televisão, dizer bom dia pai, bom dia avó, dar um beijo e um abraço em meus irmão, e também a ver que 'bandido' também tem sentimentos." (D.V.)

"Com os momentos de felicidade?"
"Os momento felizes na cadeia são pouco. O momento felizes quando a família vem lhi vizitar e trás boa notícia." (F.A.B.V.)
"Quando a quentinha chega, quando eu estou falando a palavra de Deus, quando a visita chega, quando você Rosinha vem ensina nós, quando vou para o banho de sol, quando sai para fora da cela." (J.A.B.P.)
"Acredito eu, que o meu momento de felicidade ainda estar por vir, que seria ver a minha família e sentir orgulho de minha pessoa!" (T.S.S.)
"Aprendi que não sei ser feliz sozinho..." (C.S.V.)
"Aprendi que eles não são eternos e que nós temos que aproveitá-los enquanto eles estão acontecendo, pois é que nem diz o ditado: alegria de pobre dura muito pouco." (M.S.O.)
"Aprendi que a vida é boa de mais quando se quer viver ela, só que a gente é que procura meios mais difíceis para se viver." (P.A.B.L.)

"Sobre você mesmo?"
"Apesar de todas as dificuldades que eu venho passando eu descobri que sou um vencedor e um guerreiro na guerra pronta para ser vencida." (P.A.B.L.)
" Primeiro que eu tenho que crescer a cada dia e procurar me conhecer e que eu não vivo somente pra ser feliz, mas sim para fazer o próximo também." (L.C.R.F.)
"Hoje sou outra pessoa. Não penso mais em seguir no mundo do crime. Já me toquei que a vida não é o crime. Mais sim a minha felicidade." ( M.F.A.)

"Com o Projeto Fazer Direito?"
"...que o objetivo é fazer com que a gente pense de um modo diferente 'do que nóis vivemos'." (C.S.V.)
"Se afastar das drogas..." (L.)
"Aprendi a ler mais upoco escrever." (P.V.F.)
"Aprendi o verdadeiro sentido da vida. Aprendi os direitos que todo ser humano tem. Obs: aprendi a ter carinho pelo procimo como por exemplo a Rosa tem por todos nós." (E.S.B.)
"O projeto me estimula muito a erguer minha cabeça dizer que sou capaz e que tenho potencial para qualquer coisa. 
Aprendizagem é uma arte,
e nela tem que saber viver,
a minha vida é obra principal
que acabei de escrever" (L.C.R.F.)
"A respeita os colegas e conheçe sobre os nossos deveres que são de respeita o proximo e sabem um pouco da lei." ( A.R.L.C.)
"Aprendi a me tornar mais humano." (D.V.)
"Aprendi com o projeto que ajuda a pessoa a mentalizar e refletir sobre o que fez, e com o que ainda vai fazer quando ganhar a liberdade e significa o primeiro passo para quem realmente quer mudar de vida." (T.S.S.)
"O projeto me ajudou muito, pois com o projeto fazer direito eu encherguei que tem muitas pessoas como a professora Rosinha que gostam de ajudar as pessoas, e que através disso eu e muitos outros podemos nos ressocializar com a sociedade mostrando que todo erro pode ser mudado basta que uma pessoa amiga nos dê uma chance e daí, então nós engressamos uma nova vida rumo a sociedade e ao reestabelecimento de um futuro melhor. Obrigado pela chance que estou tendo apesar de estar prezo aprendi que posso mudar e ser uma nova pessoa." (C.N.S.)
"...aprendi a ser um vencedor, Rosinha, por favor nunca sai desse curso continui sempre ajudando as pessoas tenha forças. Que Deus te abençoe." (J.A.B.P.)

Eu releio o que escreveram e penso sobre a humanidade. Que, ao menos, o ciclo da vida seja benevolente conosco; mas como, se nós não temos sido? Que o homem aprenda a ter esperança em si e no outro. Porque apenas assim aprenderemos o sentido do mundo, da nossa existência e de Deus.
Aproveito para agradecer as palavras carinhosas e as presenças significativas dos bons amigos e familiares nessa caminhada com o Projeto Fazer Direito. Tenham certeza que vocês tem me fortalecido.


  Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)

sábado, 2 de julho de 2011

Um amor entre grades; e grades entre um amor


Era mais uma sexta-feira, mais um término de aula do projeto. As portas se trancavam atrás de mim e eu caminhava pelo corredor que liga à saída do lugar. Penso, sempre que faço tal trajeto, como os que ficam trancados gostariam de fazê-lo. Porque preso só fala em liberdade. E nós, aqui fora, será que a sentimos?
Ao lado do posto dos Agentes Penitenciários, havia um detento, que me era conhecido, e sua visita. Era uma mulher alta, de cabelos castanhos e de olhar firme. Ele é baixo, careca e de cavanhaque; sempre simpático. Estavam sentados; ambos virados um para o outro, dividindo carícias. Em um banco de praça, romântico seria, mas as grades e as muitas algemas que estavam ao lado do casal me impediam qualquer devaneio sobre o amor.
Ele me chamou e me apresentou à mulher: sua esposa. Ele falou sobre a sua ânsia pela liberdade, do sofrimento de estar preso, da saudade da família e de suas 4 filhas. Falou que nunca soube o que era sentir o amor de uma família e que agora queria desfrutá-lo.
Eu e a sua esposa, falamos como o crime não compensa e sobre a paciência; porque há tempo para tudo. Até mesmo para quem está preso.
A conversa parecia rotineira. Porque muito já ouvi dos internos e seus familiares das dores, sofrimentos e angústias que uma prisão trás. A dor que o crime carrega consigo arrasta uma multidão de lamúrias e vítimas. O culpado, a família do dito, a vítima, a família da vítima e eu e você. É mole?
Até que eles me falaram como se conheceram. Não foi na balada, não eram primos, não foi por um amigo de um amigo, nem no trânsito. Não foi nada comum. Ele, agente ativo, fora aplicar um golpe nela, sujeito passivo. Depois, se apaixonaram e ela se mudou de Alagoas para Fortaleza para formarem uma família. Fim.
E agora, um trecho de uma música do Renato Russo me veio em encaixe: "E quem irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?"

Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)






segunda-feira, 20 de junho de 2011

Qual Falência?

           Muito se escuta sobre a Falência do Sistema Penitenciário Brasileiro. Ao abrirmos o jornal matinal, encontramos, normalmente, notícias de fugas, rebeliões e apreensão de objetos ilícitos (drogas, celulares, armas artesanais) em estabelecimentos prisionais.
A violência urbana, enfatizando a cidade onde resido, Fortaleza, CE, mantém a população amedrontada. Ao sair de casa, caso faça algum percurso a pé, o cidadão se protege. Põe o celular mais escondido, junto ao dinheiro, e anda apressado olhando para os lados.
Quem nunca perdeu um pertence para um “marginal” é exceção na regra da ingrata criminalidade. A sensação para muitos é que há, na maioria dos casos, impunidade para os sujeitos responsáveis pelos crimes, ou seja, que não são punidos de acordo com o que determina a lei.
No Estado do Ceará, há 16.022 presos nos estabelecimentos penais. Que totalizam 4 penitenciárias, 2 presídios, 2 colônias agrícolas, 1 casa de albergado, 4 casas de custódia, 2 hospitais e 131 cadeias públicas. Será que ainda assim, não se prende o suficiente?
Então, o que de fato acontece?
Primeiramente, deve-se entender o fator criminalidade. Assim, exclui-se imediatamente a ideia de que o policiamento na rua e a prisão são a solução do problema. São medidas necessárias, de importância para a proteção da sociedade e repressão do ilícito, contudo, não previnem a prática de crimes quando agem de maneira isolada.
A prevenção eficiente é o investimento em Políticas Públicas. Educação, Saúde, Lazer, Saneamento Básico, Segurança, Moradia...ou seja, tudo o que nós, brasileiros, tanto ansiamos. Para exemplificar, tem-se os países desenvolvidos. O índice de criminalidade, na maioria desses países, é baixo, já que a população é amparada pelo Estado quando tem suas necessidades humanas básicas, ou ao menos a maioria delas, supridas.
Pensar que “prender e bater em bandido” resolverá a questão é pura ignorância (perdoe-me se tiver algum leitor que assim o considere), pois o crime é um fator social complexo. E ainda, há tamanha distinção entre os criminosos que deverá ser considerada.
Os agentes ativos (ladrão, homicida, estuprador, estelionatário,) possuem em comum a prática ilícita. Contudo, o delito, a história de vida, as motivações para o crime, o estado psicológico e até, o físico, devem ser levados em consideração para a análise do criminoso; e apenas assim, pode-se falar na possibilidade da “recuperação” desse.
Não me refiro a trata-los como coitados, “passar a mão na cabeça” ou, muito menos, não puni-los da maneira como descrevem as normas competentes. Pelo contrário, o respeito e cumprimento da Lei Penal, Processual Penal e a Lei de Execuções Penais é de suma relevância para a reintegração daquele que um dia fora condenado.
Falo um pouco mais e cito que há aqueles que cometem crimes por: dinheiro, raiva, vingança, impulso emocional, impulso sexual, poder, vícios em droga lícitas e ilícitas. Existe os reús primários e reincidentes de um, dois, três, quatro...ou dez, ou mais, processos. De 18 a 76 anos, dentre estudantes universitários, pedreiros, motoristas de caminhão, cabelereiros, serventes, empresários, representantes comerciais, garçons, auxiliares de técnicos de instalação, agricultores, montadores de vaquejada, eletricistas, dentre inúmeras profissões honráveis, até aquele que nunca trabalhara, já conheci dentre as grades de uma prisão.    
Acima são poucos exemplos de todo o histórico que deve ser considerado e levado à análise do indivíduo.
A tal Falência do Sistema Penitenciário tão pronunciada, tão afirmada e repedida por muitos profissionais do Direito, não me parece o pior dos mártires.
A Falência que me grita é àquela relacionada ao ser humano. Da descrença, do ceticismo, do descompromisso com um todo, com um semelhante. Nós, em lágrimas mais salgadas, falimos antes do sistema. Porque eu e você somos parte dele (assim como previsto em Lei - art. 4º Lei de Execuções Penais).
O ciclo que inicia na motivação do crime até o retorno do condenado, começa na sociedade e termina nela mesma. E ainda assim, dizemos que o Sistema é que está falido.
Nosso país, de lindas praias, grandes riquezas naturais e diversidade cultural, não possui a culpa pelos erros que encontramos no Sistema e muito além dele. A culpa maior é nossa. Porque fingimos não ver, disfarçamos a insegurança e o desamparo social e olhamos para o outro sem notar que se olha para o próprio espelho.
A partir do instante em que reconhecermos a responsabilidade social e cidadã no preso, na criança que pede esmola na rua e no político em quem votamos, a mudança estará em nossas mãos.
E quando estiver em nossas mãos. De que adiantará, se nada fizermos?      


Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Queridos leitores,

Devo confessar que muito me estimula aplicar atividades em sala com o intuito de conhecer mais de perto os alunos do nosso curso. Na minha fala, sempre deixo claro que os considero diferentes entre si, que não são, nem nunca serão, uma simples massa homogênea humana que delinquiu. Creio que seja esse um dos problemas encontrados no Sistema Penitenciário Brasileiro em recuperar àquele indivíduo que praticara algum ilícito penal e se encontra em estabelecimentos prisionais no País. Contudo, segurarei esse desabafo para outro post.

A atividade da vez consistia em responder 3 perguntas: "Quanto tempo está preso?"; "O que você faria se não estivesse preso?"; " O que você teria feito se não tivesse entrado no crime? "

Depois de um tempo de convivência, os alunos passaram a confiar em mim. Sem isso, não haveria efeito algum nas palavras ditas ou nos trabalhos feitos. É preciso que saibam que se quer o bem deles, que se quer ajudar. Quando isso é percebido, escutam o que é dito, inclusive bronca. E, principalmente, respeitam. Por isso, quando me perguntam se tenho medo de entrar em uma sala com 40 a 50 homens que já cometeram crimes (aqueles selecionados pela Administração Penitenciária), lembro da relação de confiança e respeito contruída com esses.

Grande parte das pessoas na sociedade não entende o que faço. Outra parte, repuldia. Talvez, tenha várias razões, como: "não resolverá, esse tipo de gente não muda"; "é perigoso se expor assim"; "fazer isso tudo sabendo que praticaram coisas erradas, e se tiverem matado alguém?"; "eles são maus". Ou, talvez seja uma apenas: por não enxergar o valor que se deve reconhecer na natureza humana. Acho que acabei por desabafar novamente.

Vamos às respostas que me despertaram:

Quanto tempo está preso?
"388 dias, 16 horas e 30 minutos (são 2 horas). 06/06/2011" (D.V.)
"Dessa vez, estou com 4 meses preso, mas somando o que já passei, dá 2 anos e 9 meses, congelado no tempo." (J.F.B.)
"1 mês e 7 dias. Para alguns parece pouco, mas pra mim parece uma eternidade junto com o tormento, a solidão e as saudades." (T.S.S.)

O que você faria se não estivesse preso?
"Estaria cuidando da minha família e evitaria a morte do meu pai." (E.S.B.)
"Exatamente o oposto do que fiz antes." (J.F.B.)
"Com certeza eu ainda estaria traficando pelo motivo das coisas serem muito fáceis como: dinheiro, mulheres, etc.Sem falar do 'respeito' que as pessoas tem com o cara que estar no crime." (J.P.) 
"Com a mente que tenho agora, eu tentaria recomeçar tudo de novo. Terminaria meus estudos, e formaria uma nova família, e concerteza mostraria pra muita gente que todo homem vale muito mais do que seus erros. O passado é uma lição pra se meditar e não para se reproduzir." (L.C.R.F.)
"Neste momento estaria na minha casa com minha filha e minha mulher, eu dando muitos beijos na minha filhinha que eu amo." (R.W.G.V.F.)

O que você teria feito se não tivesse entrado no crime?
"Teria participado da criação e crescimento das minhas duas filhas." (E.S.B.)
"Eu seria um jogador de futebol. É meu sonho e jogo bem." (F.D.T.S)
"Meu sonho era ser jogador de futebol mais quando eu tinha 15 anos de idade conheci a cocaína aí acabei com os meus sonhos. Larguei o futebol que praticava. Mas hoje não sinto mais nem vontade de nada. Só de ir pra casa." (R.W.G.V.F.)
"Teria sido um trabalhador. Quando criança não fui instruído a ter sonhos eu simplesmente queria o que poderia conseguir, portanto um excelente trabalhador, o que consegui ser, porém não com o emprego e salário desejado, por isso fui ao crime, para conseguir o dinheiro para poder estudar o que gosto, computação, mais expecificamente, desenvolvimento de software." (D.V.)
"Eu não teria feito; eu vou fazer - me formar em Direito." (J.F.B.)
"Hoje em dia com certeza eu já teria terminado meus estudos, pois parei no 2º ano do 2º grau, falta apenas o 3º ano para que eu possa terminar os estudos. E hoje eu estaria numa faculdade onde eu pensava em ser um grande médico, bastante conhecido, e também eu estaria numa boa com a minha mulher. Mas nunca é tarde para recomeçar, pois agora eu penso num futuro melhor pra mim e para minha companheira que também se encontra recolhida no Auri Moura Costa, pois fomos presos juntos. Penso em viver uma vida digna com ela e com meu filho, pois eu fiquei sabendo aqui dentro da CPPL 2 que ela estar grávida, então agora devo ter mais responsabilidade e ser um exemplo para meu filhão que estar vindo em breve, e também ajudar minha companheira e fazendo ela a mulher mais feliz desse mundo para que ela tenha orgulho do marido que ela tem. É isso aí, bola pra frente e esquecer os erros do passado. Valeu!" (J.P.)
"(...) Às vezes o crime não é apenas uma opção mas sim a escolha de quem não ver e nem sabe criar as oportunidades desta vida cheia de desigualdades." (L.C.R.F.)

A finalidade do exposto fora a reflexão do que se perde quando se opta pela prática de um crime. E mando uma, aos que leram: Se eles saíssem hoje da prisão, o que faríamos? 
E é válido pensar, porque dessa não temos como fugir. 


Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)

terça-feira, 3 de maio de 2011

O primeiro ex-aluno do Projeto Fazer Direito

No dia 26 de Abril, na quinta-feira da semana passada, tive uma surpresa ao chegar na sala rotineira da CPPL II. Era o dia da Psicologia com o grupo. Assim, apenas fui acompanhar os dois psicólogos voluntários, Israu Lima e Tássia Oliveira, em sua assistência. Fiquei apenas a observar. E tal foi a minha surpresa: o Sérgio não estava lá.

Parêntese: Sérgio era um aluno que conseguia se destacar dos demais facilmente. As suas perguntas, meus caros, faziam alguns doutorandos se envergonharem e muitos estudiosos ficarem a pensar. Ele sabe de tudo um pouco: História, Filosofia, Religião, Direito. Posicionava-se de determinada maneira, sábia e translúcida em conhecimento, naquele movimentar característico dele. Por muitas vezes, não consegue ficar sentado, se levanta, e anda ao falar. Eu, confesso, sempre ficava impressionada. Ao preparar a aula, eu pensava: "o que será que o Sérgio vai colocar nessa aula?". Eu nunca acertei. E muito depois, eu soube que havia estudado até a 8ª série do ensino fudamental, incompleto.

Além de inteligente, nunca faltava uma aula. Assustei-me quando não o vi. Uns disseram: "Ele foi embora", e outros, que "ele tinha ido ao Fórum". Fiquei em dúvida, curiosa...ansiosa.

Como ele, a poucos meses, tinha criado uma ONG, a ONAPP (Organização Nacional dos Presos e Pobres), pediu que eu conversasse com o seu advogado sobre a mesma. Dizia sempre que queria reinvidicar os direitos dos presos, de forma legal, pacífica e civilizada. Achei bonito. Na época, tinha ligado para o advogado dele, Dr. Carvalho, para conversar com o mesmo sobre a ONG, a proposta, finalidade, meios, etc. Assim, Dr. Carvalho tinha meu número.  

Quando saí naquele dia, pensei em tentar descobrir o contato do Sérgio. Eu estava ansiosa não somente pela liberdade tão sonhada por um dos meus alunos ter sido alcançada. Eu estava ansiosa por ele ser o primeiro que trouxe da prisão, "um pedaço do Fazer Direito".

Mais tarde, o meu celular toca, e o nome do Dr. Carvalho aparece. Atendo e ouço: " Eu só liguei para agradecer, Rosa". Respondi: "Agradecer o que, Dr. ? "É o Sérgio, Rosa". No dia seguinte, conversamos um pouco mais sobre a sua ONG. E falei da responsabilidade que ele tem nas mãos: o primeiro ex-aluno do Projeto Fazer Direito. É o primeiro que teve em nossas salas, conversando sobre o compromisso social e está prestes a assumí-lo.

Rosa Pinheiro

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O que os presos entendem sobre os próprios direitos e deveres.

O atual módulo é "A Lei e os Direitos Humanos".
Assim, passei um trabalho em sala sobre os Direitos e Deveres do Preso para que os alunos respondessem.Quais seriam seus direitos e deveres como reclusos? Achei insensato trazer a resposta pronta, já que eles possuem experiência prática de um assunto que não possuo. (Felizmente, hein?)
Antes de abordar o tema em sala, pedi que fizessem tal atividade.

Muito interessante o que eles responderam. Vou passar-lhes as respostas que mais me chamaram atenção. É válido dividir:

Direitos do Preso:

"Na minha opinião não tem direito a nada porque só em ele tão prezo ele já tá errado."
"Samos tratado como um cachorro em um lixu."
"O preso tem direito a tantas coisa pelo código penal mas nóis não vemos nem um terço"
"Direito de fazer ua orasão para i pra caza."
"Direito de liga para caza para saber se esta tudo bem."
"Direito de ter paz."
"Estudar para reabilitar a mente e o comportamento."
"Depois que o elemento esta preso ele não pode mais ser agredido por policiais mais mesmo assim apanhamos."
"Professora Rosa para ser sincero já faz 8 anos que gostaria de saber quais são os direitos do presso pois atá quando agente paga a nossa pena nós não temos o direito da nossa liberdade por que infelizmente no brazil a justiça é cega."
"Como o Estado me tirou do convivio da sociedade, ele tem que cuidar de mim como se eu fosse uma criança. A minha alimentação, higiene, segurança, resocializar-se de forma correta, tenho direito a visitas, e que me tratem com dignidade, que me eduquem, para que eu não volte pior do que entrei, que é o que acontece com 90 por cento dos casos, pois no Ceará existe a indústria do preso, onde se faturam auto e ilicitamente. Por isso eles não acham conveniente recuperar presos pois querem que eles voltem novamente."
"Por mais que agente seja um preso agente é um seromano. Não precisa ser tratado como bichos. Precisamos ser tratados como pessoas. Muitas pessoas não sabe o que passa aqui dentro de uma cadeia. Muitas vezes passa pela cabeça de um preso mudar de vida. Mais os presidio não tem estrutura pra dar isso ao preso, para voltar a sociedade como eles querem. Muitos presos tem familia la fora. Muitos querem outra vida. Por que eu cansei deça vida".

Deveres do Preso

"Sair e fazer o que é certo."
"Obedecer as autoridade."
"Ter equilibrio, procurar ser humilde, não lançar pedras a quem o beneficiou, não se julgue diminuindo quando o ajudarem. Saiba agradecer."
"Acho que o meu dever como preso é 1º reconheçe que erei,e asseitar a disciplina, e reavalia a minha conciencia como um cidão brasileiro. E se algo que preciso mudar eu simplesmente vou fazer como devo agir."
"Direito de se vestimos."
"Algum curso para cupar a mente pois mente parada é oficina do diabo."
"Respeito total e comportamento e total responsabilidade."
"Respeitar os visitantes, os funcionários e os outros presos."
"Dever de não fugi."
"Tem que se arrepender."
" É tirar a cadeia na paz."

E você, o que acha?

Rosa Pinheiro

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Parceira com a Defensoria Pública.

Queridos leitores,

Semana passada, em uma reunião com a Dra. Aline Miranda, o Projeto Fazer Direito fez uma parceria com o  Projeto "Reconstruindo a Liberdade", da Defensoria Pública. Tal trabalho desemplenhado pela Defensoria Pública tem a intenção de tornar o processo, daqueles que não possuem advogado particular, célere.

O Projeto Fazer Direito seria um "facilitador". Hoje, no momento da minha aula, os alunos que estão frequentando o curso preencheram um questionário, (que fora a mim entregue na mesma reunião); o mesmo consiste na coleta das informações necessárias para o que Defensor Público possa analisar e dar seu parecer. 

Seremos apenas uma "ponte" entre a Defensoria Pública e os presos. Entregaremos o questionário respondido à mesma, que nos dará os respectivos pareceres que serão devolvidos aos presos. Dessa forma, ambos os lados ganham com isso. Os encarcerados por terem seus processos vistos e movimentados, e principalmente, por obterem a tão sonhada "resposta do judiciário"; e a Defensoria Pública, por ter a sua função efetiva preservada. Até nós ganhamos: porque aquela enorme ansiedade que enche o peito dos detentos de aflição e desespero pode ser minimizada.

Sabe-se, honestamente, que tem sido árduo todo o trabalho da Defensoria Pública e de todos que a compõem. A mesma merece respeito e meus sinceros aplausos. 

terça-feira, 5 de abril de 2011

A homofobia discutida por presos.

Estou, agora, escrevendo no Centro de Convivência da UNIFOR. Para quem não conhece a universidade, eu estou em uma espécie de praça de alimentação. Ministrei aula hoje a tarde, no horário de sempre (13:30 às 15:00), sobre um tema difícil de se abordar em qualquer lugar.

Quanto mais, imaginem, em um estabelecimento prisional. Falo assim pela constatação sobre o que vi e ouvi durante as minhas visitas periódicas aos estabelecimentos prisionais. Ou andando na rua, em um shopping, no elevador, em casa... O cearense é machista e não tolera em hipótese nenhuma a homossexualidade. É uma cultura! É fato! Não seria diferente, assim, em um local onde temos HOMENS CEARENSES.

Fizemos uma simulação sobre o caso de haver um casamento homossexual entre eu e uma mulher. Como eles lidariam com esse acontecimento, e tal. Assim que começamos, eles sugeriam para dois deles simularem um casamento gay. Concordei. A noiva não seria mais eu. E sim, haveria a simulação de um casamento entre dois dos presos ali presentes.

No início, foi aquela confusão. Na verdade, percebi que o tema despertou neles uma repúdia de imediato. Quando eu propus o tema, percebi em seus olhares um desgosto. Mas é algo a ser discutido e questionado para ser respeitado em suas diferenças.
A minha proposta era separar a turma inteira em dois grupos: um grupo que defendia a união entre pessoas do mesmo sexo, e o outro, o que repudia tais relações. Separei os grupos; mas com o prosseguir da dinâmica, percebi que ambos os grupos estavam totalmente contra qualquer relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Toda a dinâmica não podia continuar pelo preconceito presente. Citaram a Bíblia, Maomé, Cristo e o diabo.

Eu escutei tudo com calma e depois, comecei a colocar outro ponto de vista. O ponto de vista do respeito ao outro, do direito à liberdade, da igualdade. E pelos citados religiosos, falei do não julgamento do irmão, do que Jesus nos mostrou em sua visita à terra, do livre arbítrio. Falei ainda mais, mas que também não convém contar aqui. Espero que eles tenham entendido. Porque uma média de 1.000 homossexuais foram assassinados por simplesmente serem como são no ano de 2010.  Espero que eles realmente tenham entendido, assim como todos nós. Porque a igualdade presumida na Lei, na Bíblia ou onde quer que seja, torna-se distante quando o egoísmo humano aflora.

Rosa Pinheiro

terça-feira, 15 de março de 2011

A vida demonstra, mostra e desmonta. Cabe a nós remontarmos.

Caros Leitores,
Hoje venho em desabafo. Estou muito triste.
Ontem iniciamos a aplicação do Projeto Fazer Direito na CPPL II. Sinceramente, a turma me surpreendeu. Participaram de forma positiva, deram suas opiniões; enfim, um sucesso para qualquer um que está propondo lecionar uma aula.
Como combinado com os voluntários do projeto, todas as terças-feiras, naquele estabelecimento prisional, iria ficar responsável pelas aulas uma determinada voluntária, a qual prefiro não citar o nome. Fomos juntas hoje, - já que era o seu primeiro dia - e a turma agira como aula passada: exemplar. E por isso, na saída, vinhamos conversando no caminho de volta sobre o tal rendimento da aula. Conversávamos animadas no carro. Eu dirigia, minha mãe estava no banco ao lado, e ela, atrás. Ela comentava o quanto tinha sido uma excelente experiência, que tinha sido incrível e etc.
O celular dela toca. Ela fala algo que não consigo escutar. Ela desliga e começa a chorar. Naturalmente, fiquei preocupada e perguntei o que acontecera. Ela disse chorando: "Rosa, assaltaram o comércio dos meus pais. Eles estavam lá. Não querem me contar o que está acontecendo, não dizem nada."
Sem saber o que dizer, pedi para ela ter calma e mudamos a rota até a casa dela. Os pais dela moram em um interior que fica a 300 km daqui de Fortaleza, mais ou menos, e possuem um comércio no local. Ela mora aqui com a irmã.
Chegando lá, estava aquele clima pesado, ela chorando, contudo ninguém sabia o que tinha acontecido de fato. Ela foi logo arrumando as coisas para ir para o interior. Perguntamos se ela precisava de alguém para dirigir até lá porque nem ela nem a irmã estavam em condições. Conseguiram que um amigo fosse. Fomos embora e pedi que quando ela tivesse notícias e se estivesse em condições, me avisasse.
Isso era por volta das 15:30, exatamente o horário que terminam nossas aulas na CPPL II. Quando foi a noite, vejo no meu celular uma chamada não atendida do número dela. Em um instante, fiquei tranquila. Afinal, pensei que por ela ter lembrado de me ligar logo, não teria acontecido o pior. Mas aconteceu. Eu retornei a chamada e ela atende. Perguntei como ela estava e ela responde: "Rosa, mataram meu pai". Fiquei sem palavras. Como estou agora, escrevendo nesse blog. E perguntei como tinha sido. Ela disse: "Ele se abaixou para pegar algo, o ladrão achou que ele ia reagir e o mataram. Minha mãe estava lá, viu tudo. Ela passou mal, está internada agora." Falei o que consegui e desliguei.
E eu ainda não disse o mais chocante: o pai dela, semanalmente, fazia visitas aos presos da Cadeia Pública da região. Ia para "dar uma palavra amiga", como eu soube que ele dizia. Ele a apoiou quando soube do projeto, disse que era lindo o trabalho. E sempre que nos encontrávamos nesses últimos dias, ela me contava com orgulho das visitas do pai.

Que vida. Mas, o que dizer? O que dizer para ela que perdeu um pai? O que dizer para a mãe dela que perdeu o marido? O que dizer para as milhões de vítimas em nosso país?
E depois que soube disso tudo, eu sentei em um banco da universidade onde estudo e lembrei do que me perguntaram uma vez. Na CONESP I, um palestrante me fez a seguinte pergunta: "Se matarem o seu pai, você continuaria com esse projeto?"
Eu me questionei sobre como é a atuação desse projeto e como tem crescido. Hoje, depois de tudo, eu tenho a minha resposta. A dor seria insuportável. Quando eu recebesse da notícia, eu ficaria com raiva de mim mesma. Mas depois, com a razão, e sabendo que o cárcere no Brasil é uma faculdade de crimes, pensaria nas próximas vítimas que são frutos dessa mesma faculdade. O Estado tem por Lei o dever de proteger o cidadão. A prisão deveria servir pra isso, a fim de que quem praticasse um delito pague, mas que não volte a delinquir. E o que acontece?
Nós, como sociedade, também temos o nosso papel com toda essa história. Não queremos de volta em nosso seio, marginais. Queremos homens e mulheres que possam conviver de forma harmônica. Para que não apenas eles desfrutem da sonhada liberdade. Que nós também possamos tê-la, sem nos aprisionarmos em nossas próprias casas com medo de sermos as próximas vítimas. 
Não estou sendo romântica ao dizer isso, pelo contrário, estou sendo cruelmente realista. Não devemos nos vendar para tal realidade. Porque quem paga o preço somos nós. E você, que preço está disposto a pagar?  

domingo, 13 de março de 2011

Um lanche inesperado.

Meus Caros,
À convite da Diretora Capitã Keydna, fomos participar de um evento na Casa de Privação Provisória de Liberdade II (CPPL II). Inclusive, houve uma reportagem do Diário do Nordeste - que ainda saíra de promessas de publicação - a respeito do Projeto Renascer que busca a evangelização dos internos daquela unidade. Fomos, ainda, com o propósito de acertarmos como o Projeto Fazer Direito poderia participar das atividades dos presos dali. Eu, Géssyca e Samuel (o Pedro não pode ir), chegamos ao local às 9:00 horas da manhã. 
Aguardamos um pouco e entramos na sala da Direção. Combinamos que antes de conversar, iríamos conhecer a unidade. Entramos como de costume: sem celular, pen drive e chave. Confesso que estava acostumada com a estrutura do IPPOO II, já que visito, rotineiramente, o local a mais de um ano. No IPPOO II, há uma média de 550 presos, com variáveis nesse número. Afinal, todos os dias, entram alguns e outros saem. Já na CPPL II, há o dobro. Como o próprio nome sugere, está destinada aos presos provisórios, mas pode-se encontrar um número considerável de condenados. O número é de 1.000 internos, mais ou menos. E a estrutura é, pode-se dizer, inferior. Com o dobro de internos, tem-se a metade da estrutura. Digo de forma simplória, mas que reconheci logo que adentramos no local.     
Conversamos com eles e falamos sobre o Projeto Fazer Direito. Dissemos que pretendíamos iniciar as aulas lá. Recebemos, em resposta, muito carinho. É o que sempre recebemos. Eles são homens que infligiram a Lei, mas nunca deixarão de ser GENTE. Não nos engoliram, não avançaram! Eles já estão pagando pelos erros passados, mas que isso seja da forma em que a própria Lei determina. Não é para cumprir a Lei? Então que ela seja cumprida!
Depois de explicarmos como eram as nossas atividades, entramos em uma cela na qual estava um preso que eu já conhecia: o Hamurábi (cito seu nome porque o mesmo permite). Homem inteligente, de boa oratória, de vocabulário rebuscado, de raciocínio incrível. Eu o conheci do IPPOO II, mas fora transferido para a CPPL II a alguns meses. Ele tem quase completo o ensino médio, mas fala muito melhor do que muita gente formada, inclusive da minha área! Como dizia, estávamos na cela e conversávamos. Éramos nós três estudantes e uns cinco ou seis internos.
Foi quando chegou a quentinha do almoço. Eles se entreolharam e disseram: “Hoje é buchada, não vamos almoçar!”  Eu olhei para eles e disse: “Não acredito! Vão estragar comida!” Aí, eles responderam: ” Rosa, isso é horrível.” Na hora, eu pensei que era exagero deles. Que podia não ser a melhor comida do mundo, mas é que deveria ser ao menos, comestível. Afinal, era comida! Eu disse: “Então, quero ver, passa essa quentinha pra cá. Me dá uma colher, que eu vou ver se isso é tão ruim mesmo. “A reação deles foi inesquecível, assim como a minha depois. Os presos que estavam ali olhavam pra mim, como quem não acreditava no que estava vendo. Eles ainda me advertiram, disseram que eu não deveria comer. Eu, sinceramente, queria sentir aquilo. Queria sentir uma milésima parte do que eles viviam. Porque só assim, penso eu, posso entender o mundo deles e tirar as minhas conclusões.
Eu comi. E como podem ver na foto, foi de longe a PIOR coisa que eu já comi na minha vida. Eu não sou fresca para comer. Como em restaurante caído, se me chamarem. Mas não tem como explicar como aquilo estava horrível. Eu nem como carne, por opção, mas pelos motivos que já falei, queria provar aquela buchada. Estava gosmenta, e se misturava com o arroz e o feijão…não havia como comer nada daquela quentinha sem a nojenta buchada! Vou parar por aqui. Para que vocês não fiquem enjoados e parem de ler o nosso blog.
Depois do “lanche”, (eca!) conversamos com a Capitã Keydna e acertamos tudo. Ficaríamos indo como fazemos no IPPOO II: 4 vezes por semana, uma hora de aula por dia. Assim, um de nós vai uma vez por semana.
Agora, estamos aguardando o material escolar chegar na unidade, para iniciarmos mais aulas!
Comentem! Deem suas opiniões.
Obrigada, mais uma vez.
Rosa Pinheiro  

Começando pelo começo.

Escolho o primeiro “post” para escrever como surgiu, o que hoje chamamos - com orgulho e satisfação juvenil -, de Projeto “Fazer Direito”. Em Novembro de 2009, conheci o Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II). Calma, gente, não fui presa (ainda). Fui ao local porque me inscrevi em um Projeto intitulado ”Populações Carcerárias” ofertado pelo curso de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor). Como o próprio nome do projeto mostra, os alunos inscritos iriam estudar sobre estabelecimentos prisionais do Ceará. Tal estudo não poderia ficar apenas na teoria. Até porque nós cearenses não costumamos escrever sobre o tema. Na verdade, nem nós brasileiros. Assim, eu, juntamente com 49 alunos, conhecemos tal presídio.
A turma era entusiasmada. Você, caro leitor, nem imagina a agitação que foi. Aquela multidão jovem esperava curiosa pelo universo a ser descoberto. Entramos e um dos presos se apresentou e nos disse: ” Olá, sou Fulano. Vou mostrar para vocês como funciona essa unidade”. Nos levou à cozinha, escola, local onde trabalham, enfermaria, enfim, conhecemos tudo. É uma estrutura diferenciada, ou melhor, privilegiada, no Estado. A maioria não é bem assim…
Para o “gran finale”, conhecemos os internos que faziam parte do Projeto APAC naquela unidade. Eu teria que levar um “post” inteiro para explicar sobre tal. Tem muita coisa o que dizer, mas resumo em que é “uma metodologia aplicável àqueles que cometeram atos infracionais a fim de recuperá-los a partir da valorização humana”. Entramos em uma vivência (aglomerados de celas) com dezenas de homens “perigosos” ao nosso redor. Olhei em volta e vi apenas os “homens”, mas alguns de nós, parecia enxergar “perigosos” em letras maiúsculas. Era notório o medo de alguns. Outros, como eu, conversavam normalmente, como quem fala do tempo quente ou do placa do recente jogo de futebol no elevador ou na fila de um banco. Ressalto que são avaliados diariamente aqueles que fazem parte do Projeto APAC naquela unidade. Assim, não colocam em “risco” aqueles que os visitam.
Falávamos em retornar ao local inúmeras vezes, para fornecermos nossa presença e palestras sobre os mais diversos temas. Iríamos, de forma periódica, participar da ressocialização daquele determinado grupo “apaqueano”. Dessa forma, em nossa primeira, - e única, como falarei -, prometemos futuras visitas. Literalmente, demos as mãos, fizemos uma oração e nos abraçamos. Parecia cena de filme! Ao retornarmos, estávamos ainda mais empolgados. Pra mim, foi o início de tudo. Para alguns, o fim de pouco.
Poucas semanas depois da tal visita, nos foi comunicado que a Unifor não iria mais proporcionar tais idas à estabelecimentos prisionais, e consequentemente, ao IPPOO II. Isso se justificaria pelo suposto risco à integridade física de seus alunos universitários. Reunimos-nos com a coordenação do curso de Direito a fim de maiores esclarecimentos. Eu queria ter chorado, ali mesmo, quando os ouvi falar. Porque parte de mim, sem hipocrisia, tinha ficado naquele dia no IPPOO II. E essa parte dizia que eu assumira um compromisso perante aqueles homens. Logo, porque realmente assumimos! E mais ainda, um compromisso perante toda a sociedade. Porque sabemos que quem comete ato infracional vai além da vítima, atinge ao seio social. E para que isso não se repita, a “cadeia” deve atingir a recuperação integral dos indivíduos que nela adentram. Mas isso é teoria penitenciária, não irei além.
Saí pela porta com a certeza no peito de que acabaria por ali - na Unifor - e que começaria logo depois, mas não tinha a menor ideia de como. Alguns, como eu, se mostraram desconsolados. Ficamos de conversar depois e marcamos para determinado dia uma reunião com o grupo. Chegado o dia, conversamos. Mas não foi nada do que imaginei. Conversamos sobre a possibilidade das visitas continuarem, mesmo sem o “apoio” institucional da universidade. Ninguém, e repito, ninguém quis continuar. Toda aquela jura eterna, de tanto fervor, parecia ter evaporado. E evaporou. Mas respeito a posição deles, porque a louca sou eu. Afinal, quem vai por conta própria percorrer até a BR - 116, km 17 conversar com quem matou, roubou e estuprou a troco de nada? A louca sou eu, que penso que isso fará alguma diferença para a sociedade. Não sou?
Depois de alguns dias, o Rodrigo - um dos alunos que faziam parte do projeto - conversou comigo e fomos até o IPPOO II. Falamos com a Diretora do presídio e nos mostramos disponíveis. Eu e o Rodrigo ficamos na pendência de que, em caso aparecesse algo que pudéssemos fazer em grupo, nos comunicaríamos.
Passou algum tempo, e retornei às prometidas visitas àquele lugar. Dessa vez, não estava acompanhada. Passei a participar e colaborar com o fosse necessário e possível para uma mulher com o meu porte físico (baixinha e nada forte). Então, desde a reunir-me com os familiares dos internos a fim de discutir problemáticas cotidianas até analisar processos com as advogadas - contratadas pela Secretaria de Justiça - que trabalham no IPPOO II, eu fiz. Do que vi, tenho muita história para contar, que dará outros “posts”. 
Nesse intermédio de tempo, até agosto de 2010, que foi onde a ordem de algumas coisas mudaram, não eu passava muito tempo sem ir ao presídio. Na realidade, até hoje não passo. Apenas em caso de viagem ou força de contratempos inadiáveis, que passo mais de duas semanais sem ir. É raro. Atualmente vou uma vez por semana, no mínimo. Já faz parte da minha rotina.
Em agosto de 2010, conheci um rapaz, assim, louco como eu. Só que era um louco diferente. Nos conhecemos em um Congresso de Direito Penal, em frente àquelas mesinhas de café e água. Ele pegava café. Conversamos daí. Falávamos sobre várias coisas e de repente, não sei como, falei sobre às minhas idas ao IPPOO II. Lembro bem, ele dizia: “Eu sou muito cético em relação ao homem que comete crimes, não acredito que ele possa mudar”. Não aguentei e falei: “Eu te desafio a te mostrar o contrário, topa?” E você, toparia? Ir à um presídio com uma pessoa que você não conhece para ela tentar te mostrar o lado que você realmente acredita não existir? Ele é que nem eu. Disse que topava: louco.
Marcamos um dia, ele me buscou na minha casa, erramos o caminho (várias vezes, já que por onde eu costumava ir estava interditado) e por fim, quase vivos, chegamos onde prometi levá-lo. Ele nunca tinha entrado em uma cadeia. Ainda bem que entrou como “visitante”, não é? Assim, ele não precisaria de plano de fuga para sair naquele dia. (Brincadeira, gente)!
Tentei mostrar as “acomodações”. E chegamos nas vivências. Entramos em uma das que faziam parte do projeto APAC e conversamos com alguns internos. Ao saírmos, olhei para ele ansiosa e perguntei: “E aí?”. Como quem pergunta: “Ganhei a o desafio?”. Ele balançou a cabeça e disse: “Não posso dizer nada, é muita informação”. Eu entendi o recado.
Dias depois, ele me liga e assim que atendi, me disse: ” Temos que fazer alguma coisa com eles, o que podemos fazer?” Aí eu falei: “Estou apta a ideias”. Simplesmente, naturalmente e inesquecivelmente, ele falou: “Podíamos dar aula de Direito para os presos”. Essa frase aparece nas minhas melhores lembranças até hoje. E tenho certeza que assim será por muito tempo.
Daí, liguei para dois amigos meus: Samuel e Géssyca. E eles toparam! Aceitaram formar um grupo e lecionar Direito e Cidadania para aqueles que são tratados, por alguns, como bichos. Que são vistos com asco e repulsa. Mas que precisam ser enxergados como são: seres humanos. De que espécie seriam? É a mesma que a minha e a sua. Eles devem à sociedade e irão quitar essa dívida, mas que seja com dignidade. A mesma que deverá ser encontrada com eles, quando voltarem a nos encontrar aqui fora. Ou você acha que eles não sairão?
Obrigada infinitamente àqueles que leram.
Rosa Pinheiro