domingo, 13 de março de 2011

Começando pelo começo.

Escolho o primeiro “post” para escrever como surgiu, o que hoje chamamos - com orgulho e satisfação juvenil -, de Projeto “Fazer Direito”. Em Novembro de 2009, conheci o Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II). Calma, gente, não fui presa (ainda). Fui ao local porque me inscrevi em um Projeto intitulado ”Populações Carcerárias” ofertado pelo curso de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor). Como o próprio nome do projeto mostra, os alunos inscritos iriam estudar sobre estabelecimentos prisionais do Ceará. Tal estudo não poderia ficar apenas na teoria. Até porque nós cearenses não costumamos escrever sobre o tema. Na verdade, nem nós brasileiros. Assim, eu, juntamente com 49 alunos, conhecemos tal presídio.
A turma era entusiasmada. Você, caro leitor, nem imagina a agitação que foi. Aquela multidão jovem esperava curiosa pelo universo a ser descoberto. Entramos e um dos presos se apresentou e nos disse: ” Olá, sou Fulano. Vou mostrar para vocês como funciona essa unidade”. Nos levou à cozinha, escola, local onde trabalham, enfermaria, enfim, conhecemos tudo. É uma estrutura diferenciada, ou melhor, privilegiada, no Estado. A maioria não é bem assim…
Para o “gran finale”, conhecemos os internos que faziam parte do Projeto APAC naquela unidade. Eu teria que levar um “post” inteiro para explicar sobre tal. Tem muita coisa o que dizer, mas resumo em que é “uma metodologia aplicável àqueles que cometeram atos infracionais a fim de recuperá-los a partir da valorização humana”. Entramos em uma vivência (aglomerados de celas) com dezenas de homens “perigosos” ao nosso redor. Olhei em volta e vi apenas os “homens”, mas alguns de nós, parecia enxergar “perigosos” em letras maiúsculas. Era notório o medo de alguns. Outros, como eu, conversavam normalmente, como quem fala do tempo quente ou do placa do recente jogo de futebol no elevador ou na fila de um banco. Ressalto que são avaliados diariamente aqueles que fazem parte do Projeto APAC naquela unidade. Assim, não colocam em “risco” aqueles que os visitam.
Falávamos em retornar ao local inúmeras vezes, para fornecermos nossa presença e palestras sobre os mais diversos temas. Iríamos, de forma periódica, participar da ressocialização daquele determinado grupo “apaqueano”. Dessa forma, em nossa primeira, - e única, como falarei -, prometemos futuras visitas. Literalmente, demos as mãos, fizemos uma oração e nos abraçamos. Parecia cena de filme! Ao retornarmos, estávamos ainda mais empolgados. Pra mim, foi o início de tudo. Para alguns, o fim de pouco.
Poucas semanas depois da tal visita, nos foi comunicado que a Unifor não iria mais proporcionar tais idas à estabelecimentos prisionais, e consequentemente, ao IPPOO II. Isso se justificaria pelo suposto risco à integridade física de seus alunos universitários. Reunimos-nos com a coordenação do curso de Direito a fim de maiores esclarecimentos. Eu queria ter chorado, ali mesmo, quando os ouvi falar. Porque parte de mim, sem hipocrisia, tinha ficado naquele dia no IPPOO II. E essa parte dizia que eu assumira um compromisso perante aqueles homens. Logo, porque realmente assumimos! E mais ainda, um compromisso perante toda a sociedade. Porque sabemos que quem comete ato infracional vai além da vítima, atinge ao seio social. E para que isso não se repita, a “cadeia” deve atingir a recuperação integral dos indivíduos que nela adentram. Mas isso é teoria penitenciária, não irei além.
Saí pela porta com a certeza no peito de que acabaria por ali - na Unifor - e que começaria logo depois, mas não tinha a menor ideia de como. Alguns, como eu, se mostraram desconsolados. Ficamos de conversar depois e marcamos para determinado dia uma reunião com o grupo. Chegado o dia, conversamos. Mas não foi nada do que imaginei. Conversamos sobre a possibilidade das visitas continuarem, mesmo sem o “apoio” institucional da universidade. Ninguém, e repito, ninguém quis continuar. Toda aquela jura eterna, de tanto fervor, parecia ter evaporado. E evaporou. Mas respeito a posição deles, porque a louca sou eu. Afinal, quem vai por conta própria percorrer até a BR - 116, km 17 conversar com quem matou, roubou e estuprou a troco de nada? A louca sou eu, que penso que isso fará alguma diferença para a sociedade. Não sou?
Depois de alguns dias, o Rodrigo - um dos alunos que faziam parte do projeto - conversou comigo e fomos até o IPPOO II. Falamos com a Diretora do presídio e nos mostramos disponíveis. Eu e o Rodrigo ficamos na pendência de que, em caso aparecesse algo que pudéssemos fazer em grupo, nos comunicaríamos.
Passou algum tempo, e retornei às prometidas visitas àquele lugar. Dessa vez, não estava acompanhada. Passei a participar e colaborar com o fosse necessário e possível para uma mulher com o meu porte físico (baixinha e nada forte). Então, desde a reunir-me com os familiares dos internos a fim de discutir problemáticas cotidianas até analisar processos com as advogadas - contratadas pela Secretaria de Justiça - que trabalham no IPPOO II, eu fiz. Do que vi, tenho muita história para contar, que dará outros “posts”. 
Nesse intermédio de tempo, até agosto de 2010, que foi onde a ordem de algumas coisas mudaram, não eu passava muito tempo sem ir ao presídio. Na realidade, até hoje não passo. Apenas em caso de viagem ou força de contratempos inadiáveis, que passo mais de duas semanais sem ir. É raro. Atualmente vou uma vez por semana, no mínimo. Já faz parte da minha rotina.
Em agosto de 2010, conheci um rapaz, assim, louco como eu. Só que era um louco diferente. Nos conhecemos em um Congresso de Direito Penal, em frente àquelas mesinhas de café e água. Ele pegava café. Conversamos daí. Falávamos sobre várias coisas e de repente, não sei como, falei sobre às minhas idas ao IPPOO II. Lembro bem, ele dizia: “Eu sou muito cético em relação ao homem que comete crimes, não acredito que ele possa mudar”. Não aguentei e falei: “Eu te desafio a te mostrar o contrário, topa?” E você, toparia? Ir à um presídio com uma pessoa que você não conhece para ela tentar te mostrar o lado que você realmente acredita não existir? Ele é que nem eu. Disse que topava: louco.
Marcamos um dia, ele me buscou na minha casa, erramos o caminho (várias vezes, já que por onde eu costumava ir estava interditado) e por fim, quase vivos, chegamos onde prometi levá-lo. Ele nunca tinha entrado em uma cadeia. Ainda bem que entrou como “visitante”, não é? Assim, ele não precisaria de plano de fuga para sair naquele dia. (Brincadeira, gente)!
Tentei mostrar as “acomodações”. E chegamos nas vivências. Entramos em uma das que faziam parte do projeto APAC e conversamos com alguns internos. Ao saírmos, olhei para ele ansiosa e perguntei: “E aí?”. Como quem pergunta: “Ganhei a o desafio?”. Ele balançou a cabeça e disse: “Não posso dizer nada, é muita informação”. Eu entendi o recado.
Dias depois, ele me liga e assim que atendi, me disse: ” Temos que fazer alguma coisa com eles, o que podemos fazer?” Aí eu falei: “Estou apta a ideias”. Simplesmente, naturalmente e inesquecivelmente, ele falou: “Podíamos dar aula de Direito para os presos”. Essa frase aparece nas minhas melhores lembranças até hoje. E tenho certeza que assim será por muito tempo.
Daí, liguei para dois amigos meus: Samuel e Géssyca. E eles toparam! Aceitaram formar um grupo e lecionar Direito e Cidadania para aqueles que são tratados, por alguns, como bichos. Que são vistos com asco e repulsa. Mas que precisam ser enxergados como são: seres humanos. De que espécie seriam? É a mesma que a minha e a sua. Eles devem à sociedade e irão quitar essa dívida, mas que seja com dignidade. A mesma que deverá ser encontrada com eles, quando voltarem a nos encontrar aqui fora. Ou você acha que eles não sairão?
Obrigada infinitamente àqueles que leram.
Rosa Pinheiro

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