quarta-feira, 8 de junho de 2011

Queridos leitores,

Devo confessar que muito me estimula aplicar atividades em sala com o intuito de conhecer mais de perto os alunos do nosso curso. Na minha fala, sempre deixo claro que os considero diferentes entre si, que não são, nem nunca serão, uma simples massa homogênea humana que delinquiu. Creio que seja esse um dos problemas encontrados no Sistema Penitenciário Brasileiro em recuperar àquele indivíduo que praticara algum ilícito penal e se encontra em estabelecimentos prisionais no País. Contudo, segurarei esse desabafo para outro post.

A atividade da vez consistia em responder 3 perguntas: "Quanto tempo está preso?"; "O que você faria se não estivesse preso?"; " O que você teria feito se não tivesse entrado no crime? "

Depois de um tempo de convivência, os alunos passaram a confiar em mim. Sem isso, não haveria efeito algum nas palavras ditas ou nos trabalhos feitos. É preciso que saibam que se quer o bem deles, que se quer ajudar. Quando isso é percebido, escutam o que é dito, inclusive bronca. E, principalmente, respeitam. Por isso, quando me perguntam se tenho medo de entrar em uma sala com 40 a 50 homens que já cometeram crimes (aqueles selecionados pela Administração Penitenciária), lembro da relação de confiança e respeito contruída com esses.

Grande parte das pessoas na sociedade não entende o que faço. Outra parte, repuldia. Talvez, tenha várias razões, como: "não resolverá, esse tipo de gente não muda"; "é perigoso se expor assim"; "fazer isso tudo sabendo que praticaram coisas erradas, e se tiverem matado alguém?"; "eles são maus". Ou, talvez seja uma apenas: por não enxergar o valor que se deve reconhecer na natureza humana. Acho que acabei por desabafar novamente.

Vamos às respostas que me despertaram:

Quanto tempo está preso?
"388 dias, 16 horas e 30 minutos (são 2 horas). 06/06/2011" (D.V.)
"Dessa vez, estou com 4 meses preso, mas somando o que já passei, dá 2 anos e 9 meses, congelado no tempo." (J.F.B.)
"1 mês e 7 dias. Para alguns parece pouco, mas pra mim parece uma eternidade junto com o tormento, a solidão e as saudades." (T.S.S.)

O que você faria se não estivesse preso?
"Estaria cuidando da minha família e evitaria a morte do meu pai." (E.S.B.)
"Exatamente o oposto do que fiz antes." (J.F.B.)
"Com certeza eu ainda estaria traficando pelo motivo das coisas serem muito fáceis como: dinheiro, mulheres, etc.Sem falar do 'respeito' que as pessoas tem com o cara que estar no crime." (J.P.) 
"Com a mente que tenho agora, eu tentaria recomeçar tudo de novo. Terminaria meus estudos, e formaria uma nova família, e concerteza mostraria pra muita gente que todo homem vale muito mais do que seus erros. O passado é uma lição pra se meditar e não para se reproduzir." (L.C.R.F.)
"Neste momento estaria na minha casa com minha filha e minha mulher, eu dando muitos beijos na minha filhinha que eu amo." (R.W.G.V.F.)

O que você teria feito se não tivesse entrado no crime?
"Teria participado da criação e crescimento das minhas duas filhas." (E.S.B.)
"Eu seria um jogador de futebol. É meu sonho e jogo bem." (F.D.T.S)
"Meu sonho era ser jogador de futebol mais quando eu tinha 15 anos de idade conheci a cocaína aí acabei com os meus sonhos. Larguei o futebol que praticava. Mas hoje não sinto mais nem vontade de nada. Só de ir pra casa." (R.W.G.V.F.)
"Teria sido um trabalhador. Quando criança não fui instruído a ter sonhos eu simplesmente queria o que poderia conseguir, portanto um excelente trabalhador, o que consegui ser, porém não com o emprego e salário desejado, por isso fui ao crime, para conseguir o dinheiro para poder estudar o que gosto, computação, mais expecificamente, desenvolvimento de software." (D.V.)
"Eu não teria feito; eu vou fazer - me formar em Direito." (J.F.B.)
"Hoje em dia com certeza eu já teria terminado meus estudos, pois parei no 2º ano do 2º grau, falta apenas o 3º ano para que eu possa terminar os estudos. E hoje eu estaria numa faculdade onde eu pensava em ser um grande médico, bastante conhecido, e também eu estaria numa boa com a minha mulher. Mas nunca é tarde para recomeçar, pois agora eu penso num futuro melhor pra mim e para minha companheira que também se encontra recolhida no Auri Moura Costa, pois fomos presos juntos. Penso em viver uma vida digna com ela e com meu filho, pois eu fiquei sabendo aqui dentro da CPPL 2 que ela estar grávida, então agora devo ter mais responsabilidade e ser um exemplo para meu filhão que estar vindo em breve, e também ajudar minha companheira e fazendo ela a mulher mais feliz desse mundo para que ela tenha orgulho do marido que ela tem. É isso aí, bola pra frente e esquecer os erros do passado. Valeu!" (J.P.)
"(...) Às vezes o crime não é apenas uma opção mas sim a escolha de quem não ver e nem sabe criar as oportunidades desta vida cheia de desigualdades." (L.C.R.F.)

A finalidade do exposto fora a reflexão do que se perde quando se opta pela prática de um crime. E mando uma, aos que leram: Se eles saíssem hoje da prisão, o que faríamos? 
E é válido pensar, porque dessa não temos como fugir. 


Rosa Pinheiro
(Coordenadora do Projeto Fazer Direito)

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